Pirataria chega à arquitetura na China

Cópia de um projeto da arquiteta Zaha Hadid está sendo construído no sul do país ao mesmo tempo em que o prédio original é erguido


Zaha Hadid, considerada uma das grandes estrelas da constelação da arquitetura de vanguarda, tornou-se também uma superestrela na China, onde seus projetos mais recentes irradiam desde as escolas e os estúdios de arquitetura de todo o país. Numa recente viagem a Pequim, 15 mil artistas, arquitetos e outros aficionados acorreram para ouvir a palestra que ela deu na inauguração do complexo futurista Galaxy Soho - apenas um dos 11 projetos que ela está realizando em toda a China.


Mas o apelo da arquitetura experimental da ganhadora do Prêmio Prtizker, principalmente desde a apresentação da sua brilhante e cristalina Ópera de Guangzhou, há dois anos, cresceu de uma maneira tão explosiva que atualmente, vários arquitetos e equipes de construção piratas estão construindo no sul da China uma cópia perfeita de uma das criações de Zaha em Pequim. O que é pior, Zaha disse numa entrevista, agora ela é obrigada a competir com esses piratas para concluir em primeiro lugar seu projeto original.
O projeto que está sendo pirateado é o Wangjing Soho, um complexo de três torres que se assemelham a velas infladas, esculpidas na pedra com faixas de alumínio em motivo de onda, que parecem mover-se levemente na superfície da Terra quando vistas de cima.
Zhang Xin, a incorporadora bilionária que dirige a Soho China e encomendou o complexo a Zaha, criticou violentamente os piratas durante a inauguração do Galaxy: "Enquanto construímos um dos projetos de Zaha, ele está sendo copiado em Chongqing", uma megacidade perto do Tibete. A esta altura, acrescentou, os piratas de Chongqing estão construindo mais rapidamente do que a Soho. O projeto original deve ser concluído em 2014.
Falsificação. Zhang fez um apelo pedindo ajuda para combater esta maciça operação despudorada de falsificação e lamentou: "Todos dizem que a China é o grande país das imitações e que pode copiar qualquer coisa".
A pirataria é extremamente difundida na China, onde iPods, iPhones e iPads falsificados são vendidos abertamente, e até lojas inteiras falsificadas da Apple proliferam em todas as cidades onde ocorre uma explosão econômica. Embora a China tenha, pelo menos no papel, uma série de leis que protegem a propriedade intelectual, a aplicação destas leis na prática é tremendamente esporádica.
Entretanto, You Yunting, um advogado de Xangai que fundou uma revista online sobre questões de propriedade intelectual, disse que a legislação sobre direitos autorais da China inclui a proteção de obras arquitetônicas. You disse ter estudado a falsificação do projeto de Zaha, e acrescentou: "As duas versões do complexo são muito semelhantes".
"A Soho dever ter boas chances de vencer um litígio neste caso", previu. "Mas, mesmo que o juiz dê uma sentença favorável à Soho, o tribunal não obrigará o réu a derrubar o edifício. Entretanto, poderá ordenar o pagamento de uma indenização."
Zaha Hadid não é a primeira ocidental a ver sua obra arquitetônica imitada na China. No ano passado, cidadãos da aldeia austríaca de Hallstatt ficaram chocados ao descobrir que arquitetos chineses fotografaram suas casas e estavam construindo uma versão idêntica do local que foi decretado patrimônio mundial da humanidade pela Unesco no sul da China.
Hans-Jörg Kaiser, um representante austríaco do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, que assessora a Unesco na preservação do patrimônio, disse que os habitantes de Halstatt estão muito revoltados pelo fato de as suas casas terem sido clonadas do outro lado do mundo.
Photoshop. Os arquitetos chineses envolvidos na réplica da cidadezinha austríaca, incrustada entre picos cobertos de neve e um lago localizado nas alturas, aparentemente construíram a falsificação de Halstatt usando um software de imagem para criar uma intricada montagem do local, e depois transformaram estas imagens em um modelo reduzido em 3D.
Os protestos do povo de Halstatt contra o mapeamento clandestino de suas casas agora se acalmaram, disse Kaiser, acrescentando que não encontrou nenhuma norma da Unesco que impedisse a reprodução do sítio do Patrimônio Mundial.
O arquiteto holandês Rem Koolhaas, que projetou a torre surreal da CCTV , da nova geração de Pequim, afirmou que a expansão super-rápida das cidades chinesas está produzindo arquitetos que usam laptops para copiar num piscar de olhos novos edifícios. No livro Mutations, Koolhaas chama esses arquitetos de projetistas de Photoshop: "O Photoshop permite fazer colagens de fotografias - e esta é a essência da produção arquitetônica e urbana da China ... Hoje, o design se torna tão fácil quanto o Photoshop, até mesmo na escala de uma cidade".
Satoshi Ohashi, diretor de projetos da Zaha Hadid Architects para o complexo Soho que está sendo clonado, disse: "É possível que os piratas de Chongqing tenham conseguido alguns arquivos digitais ou reproduções do projeto". A partir destes, acrescentou, "é possível elaborar o projeto de um edifício desde que você seja tecnicamente muito capaz, mas ele seria apenas uma simulação grosseira da arquitetura".
Um dos executivos da Soho identificou o incorporador acusado de piratear o projeto de Zaha do Chongqing Meiquan. Quando contatado por telefone, um funcionário do Chongqing Meiquan não quis comentar o caso.
Relâmpago. Zaha Hadid afirmou que encara com uma atitude filosófica a reprodução dos seus projetos: se as futuras gerações desses edifícios clonados apresentarem mutações inovadoras, "será um fato muito animador".
Toda uma geração de arquitetos chineses do novo milênio acompanha e se inspira nos avanços arquitetônicos de Zaha, disse Ohashi, em Pequim.
Ele previu também o surgimento de uma nova categoria de arquitetos piratas com um interesse sofisticado nos principais edifícios experimentais do globo: "Se alguém gosta realmente de Zaha, provavelmente veremos outros projetos dela espalhados pela China", afirmou.
E a possibilidade de produzir imagens, representações e até mesmo modelos em 3D de design arquitetônico em todo o globo à velocidade da luz por meio da internet ajudará não apenas as equipes de vanguarda de Pequim a Londres a se associarem em projetos conjuntos, mas também arquitetos piratas que pretendem construir arranha-céus ou mesmo cidades à velocidade de um relâmpago.
Será que algum dia aparecerá uma inteira metrópole chinesa povoada de versões mutantes de centros culturais de cristal criados por Zaha Hadid? Poderá a China assistir à proliferação de dez ou vinte clones arquitetônicos da Ópera de Guangzhou espalhados por suas principais megacidades? "Tenho a certeza", disse Ohashi, "de que algum arquiteto há está trabalhando em outra versão da Ópera de Guangzhou".

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